Juntando Cacos
Uma das formas de entender a vida
é juntando os pedaços, que podemos chamar de "cacos'.. Coisas, lembranças,
saudades, pensamentos, ideias, emoções, escritos, incertezas. Tudo é guardado em
compartimentos separados e isolados uns dos outros, dando-nos a impressão de que
se trata de um amontoado de supérfluos que, não raras vezes, negamos ou temos
dificuldade para assimilar. Mas quem disse que cacos não podem estar juntos e
misturados....
Carecemos de
sentido, de ordem e de valorização dos nossos cacos. Difícil mesmo, é ter
certezas. Mais difícil ainda, é acreditar que nossos cacos tenham razão e
sentido. Para viver plena e autenticamente, é preciso reconhecer os cacos que
nos constituem enquanto seres que somos: finitos de necessidades e incompletos,
sempre a buscar o que apenas somos enquanto ideias. Cacos de uns, cacos de
outros, formamos a diversidade, a simplicidade e, se quisermos, a complexidade
do que vem a ser a vida.
Viver é a arte de juntar cacos.
Podem ser coisas variadas, diversas, contraditórias, simples, complexas.
Entretanto, sempre ideias, pois são elas que nos fazem mover e nos projetam para
ações que impulsionam às novidade que temos necessidade de conhecer. Assim, a
profecia, a poesia, a reflexão, a memória são habilidades nobres de preservação
e articulação de nossos cacos.
Uma ideia deve sempre ter um fim
em si mesma, mas sempre passível de acréscimos, com o cuidado para que a mesma
não se transforme em cinza ou mera intencionalidade. A ideia de juntar cacos
constitui em uma ação que não deixa mais uma ideia morrer. Muitas ideias nós as
matamos em sua fase embrionária. Outras, nós as temos como nossas vergonhas. Por
isso, não as assumimos. Outras, ainda, vivem a nos tensionar, querendo a chance
de sobreviver. Mas poucas, nós as colocamos em prática.
Cacos são algumas ideias que nos
moveram na construção de uma história de criticidade, de dúvidas, de indignação,
de romantismo, de abandono à escrita em horas difíceis, de intenso gozo em
momentos felizes, de busca de autenticidade, de algumas certezas. Nesta obra, as
apresentamos em múltiplas formas (poesia, textos reflexivos,
pensamentos).
Se nobre e difícil arte é viver
a vida, mais desafiante ainda é adentrar em suas nuances. Se Deus nos deu a vida
de presente, porque não presenteá-la, juntando cacos?
Nei Alberto Pies, professor e
ativista de direitos humanos.
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