Gente
em fuga!
“Se por
acaso fujo, não é por falta de luta. Qualquer abandono exige coragem. Qualquer
fuga tira um pedaço de nós que não volta. É preciso força até para desistir”.
(Verônica H.)
O preconceito e discriminação para com pessoas que fogem são descabidos e
injustificáveis! Sempre pensei que fuga é uma atitude que podemos (e devemos)
esperar quando tratamos de seres humanos em condição de sofrimento, injustiça,
fome e desumanização; sem culpa por isso.
Fugir
é o destino comum dos seres humanos quando as condições de vida e dignidade
atentam contra a própria existência. Aliás, o que mais temos é gente que foge da
violência, da opressão, do descaso, do abandono, do desamor, das diferentes
prisões. Fico imaginando se a fuga não é condição substantiva para preservarmos
nossa condição de humanidade. As diferentes prisões não fazem bem a
ninguém.
As
casas prisionais deste país são um verdadeiro depósito de humanos e a sociedade
brasileira parece não se importar com esta situação desumana.. Presos tem
responsabilidade por seus crimes, mas não são responsáveis pelos crimes que o
Estado e a sociedade cometem com eles.
Como
sempre, preferimos não abordar as raízes dos problemas, preferindo soluções de
“simplificação”. É sempre mais fácil “culpabilizar as vítimas”, ao invés de
perguntar as razões pelo sofrimento em que os outros estão passando. Ao invés de
cobrarmos que o Estado ofereça condições de vida, moradia e ressocialização,
preferimos condenar aqueles que, através da fuga, exercem seus direitos
sobreviventes. Ao invés de cobrar medidas que dificultem as fugas e mantenham
maior vigilância sobre as ações dos presos, preferimos elegê-los como nossos
mais nobres algozes.
A
pobreza de nossos pensamentos faz com que esqueçamos que eles (os presos), como
nós, fazemos parte de uma sociedade violenta, autoritária, injusta, corrupta e
perversa. Preferimos nos apartar, intitulando-nos “pessoas de bem”, como se a
maldade fosse uma propriedade dos maus, logo, dos presos e “marginais”, como
assim os chamamos. Esta ingênua ignorância nos leva, sem querer, à mesma
condição de vítimas dos próprios pensamentos e incompreensões. Vítimas do mundo
e submundo do roubo, da ganância, do poder e do medo que permitimos reinem em
todas as nossas prisões. Vítimas dos próprios presos que condenamos.
É
necessário perguntar pelos ideais de ser humano, mundo e humanidade que
concebemos e defendemos. Pelos investimentos e oportunidades que estamos
dispostos a construir para todos que nascem e tem o direito de buscar as
condições para viver sua humanidade na plenitude. Todos precisam de
oportunidades para se humanizar porque o castigo sem sentido só alimenta a
revolta e a própria desumanização.
O
maior desafio e trabalho que podemos empenhar pelo mundo é a humanização, nossa
e dos outros. É preciso lutar por condições que não exijam de ninguém a fuga
como a única possibilidade de não sucumbir à própria humanidade. A liberdade
deve ser o maior horizonte!
É
um trabalho corajoso, necessário e permanente.
Nei
Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos.
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