Não é crime lutar
“A essência dos
Direitos Humanos é o direito a ter direitos"
(Hannah Arendt,
filósofa)
Há tempo que a
criminalização daqueles e daquelas que lutam por melhores condições de
dignidade humana vem sendo denunciada no Brasil e no mundo. É inaceitável, numa
democracia, que a violência instituída seja aceita como normal e necessária. O
Estado, instituído como guardião dos direitos, viola os mesmos quando reprime,
violentamente, através das ações policiais, aqueles e aquelas que,
pacificamente para buscar educação, terra, trabalho, saúde, segurança, lazer.
Ordem, associada ao
progresso, parece mover o imaginário daqueles que tem a ilusão de uma
democracia ideal. A democracia acontece nas contradições, na dureza da
cidadania cotidiana, difícil de ser construída. Nem todos estão convencidos de
que a democracia pode conviver com uma “certa desordem”. Como já
escreveu Juremir Machado da Silva, “não existe democracia sem caos, confusão,
entropia. A democracia é o sistema do dissenso. Na verdade, a democracia é um
equilíbrio instável de ordem e desordem. Em alguns momentos, a desordem é mais
importante do que a ordem. Tudo, claro, depende do grau de ordem e desordem”.
A criminalização é
a face perversa do Estado e da sociedade que não permitem que a cidadania seja
exercida na perspectiva dos “sujeitos de direitos”. Quem luta por seus
direitos, e pelos direitos dos outros, é ligeiramente taxado, acusado e
condenado sumariamente. Os estigmas e preconceitos sociais atribuídos àqueles
que lutam anulam a vivência de uma cidadania plena e ativa.
O diálogo, em busca
dos consensos possíveis, constitui a ordem democrática, muito antes das leis e
das imposições arbitrárias. Quando perdemos a capacidade de escutar, de sentar
à mesa para negociar, não chegamos a consensos e acordos que, mesmo que
provisórios, são sempre necessários para qualquer perspectiva de avanço dos
direitos em questão.
A democracia nasce
das palavras, da retórica e da persuasão. Por isso mesmo, manifestar-se não
pode significar só gritaria, de um lado, e repressão, de outro. Sempre é
preciso colocar os pleitos à mesa, estar aberto para ouvir e dialogar. Quem
responde pelo Estado, bem como quem marcha nas ruas, precisa colocar-se em
movimento, para construir soluções e encaminhamentos provisórios. Ninguém sai
de uma manifestação com os direitos já conquistados, mas toda manifestação pode
indicar avanços para a materialização dos mesmos. Nesta perspectiva, temos
todos muito que aprender. Como escreve Marcos Rolim, “a democracia que temos já
não tem política. Nela, o futuro se ausentou porque as palavras não autorizam
expectativas. Será preciso reinventá-la, entretanto, antes de desesperar.
Porque o desespero é só silêncio e o melhor do humano é a palavra”.
Nei Alberto Pies,
professor e ativista de direitos humanos.
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